segunda-feira, 28 de maio de 2012

Uma conversa sobre doenças negligenciadas

     Há algumas semanas atrás, uma amiga minha comentou sobre uma prima que estava doente havia um bom tempo, devido a um suposto parasito que ela contraiu ao nadar em um lago. Perguntei a ela se sua parente já havia sido diagnosticada, e se não houvesse ainda, quais eram os seus sintomas. Sua resposta foi sucinta: ela já foi diagnosticada, mas continua mal, e não me lembro o nome da doença; ela sente dores na barriga e teve vezes em que chegou a vomitar sangue.

     Pela sintomatologia e o meio de onde contraiu o parasito, eu suspeitei de esquistossomose mansônica. Disse a ela que os sintomas dessa parasitose eram compatíveis com os que ela havia me dito, e que trata-se de um verme achatado da classe dos Trematodea, que tem um ciclo de vida heteroxeno, ou seja, possui dois hospedeiros durante todo seu ciclo, um intermediário e temporário e outro definitivo, sendo este provavelmente a sua prima.

     Minha amiga ouviu com atenção, e em alguns dias após veio conversar comigo novamente, dizendo que sua tia havia dito a ela que se tratava de uma doença com o nome popular de barriga d'água. Foi aí que eu conclui o raciocínio, dizendo a ela como funcionava a doença (explicarei como funciona a doença depois; para os que querem saber já, vide Esquistossomose mansônica, no fim deste post).

     Depois de um suspiro no qual estava nítidamente implícito (com a devido paradoxo) um grande "coitada da minha prima...", não comentamos mais sobre o assunto.

     E não é que, nesta quinta-feira última, ela vem a mim com a notícia de que a prima dela falecera. Nunca fui muito bom nas relações sociais (e eu até que evito), e sem saber o que dizer, soltei um "poxa vida, meus pêsames". Ela me pediu para explicar o que havia acontecido, se ela tinha sofrido bastante ou não. Tratei de explicar bem explicado, para ela entender bem e não ter dúvidas sobre o que se sucedeu, justamente para eu não ter que ficar pensando em frases de consolo, o que entre nós, é um saco.

     Passado tudo isso, vêm as divagações. Nos últimos dados estatísticos, o Brasil consta em uma posição gloriosa nos índices econômicos mundiais, a sexta posição. Mas, mesmo assim, ainda tem gente por aí morrendo por doenças cujas medidas profiláticas são saneamento básico melhores condições de vida, tanto residencial quanto alimentícia. A prima da minha amiga morreu porque naquele lago perto de sua casa, onde ela nadou, havia contaminação por esgoto. Isso nos mostra a nitidez da concentração de renda nas cidades, uma vez ela morando no interior do estado de São Paulo. Não estaria na hora, ou melhor, já não passou da hora de acabar com esses problemas ridículos, como o caso "Carlinhos Cachoeira", e os políticos gastarem um pouco dos seus preciosos tempos com problemas obviamente mais importantes? Tudo bem vai, temos de entender que eles necessitam de um tempinho para gastar a dinheirama que arrecadam às custas de nós, o povo brasileiro.

     Enquanto isso, estamos aqui. Muitos continuarão morrendo por causa dos maus cuidados com a água, com os alimentos, e com a péssima qualidade de vida do povo brasileiro além-SP.

     E para aqueles que esperavam um desfecho maravilhoso para este post, saiba que não o terão, pois não há desfecho para essa história, já que ainda tem muita gente interiorana para morrer.

     Esquistossomose mansônica: trata-se de uma parasitose cujo agente etiológico é o verme achatado da classe dos Trematodea, Schistosoma mansoni. Seu ciclo de vida tem início ao eclodir dos ovos encontrados nas fezes de um organismo infectado. Os ovos necessariamente estão na água doce e parada (lagos apenas. Rios e outras fontes de água corrente não costumam ser locais cuja proliferação é efetiva), eclodindo em larvas "Miracídio". Os trofozóitos têm vida livre natante, mas em um estágio de sua vida, necessitam de um hospedeiro intermediário para continuar o desenvolvimento. Assim sendo, hospedam-se em gastrópodes do gênero Biomphalaria spp., e assim desenvolvem-se em larvas "Cercária". As larvas cercária possuem uma "cauda" bifurcada e uma estrutura em seu escólex secretora de enzimas digestivas, as quais em contato com o tecido epitelial epidérmico, desgastam-no, abrindo diminutas feridas e ocasionando prurido na região. Assim entram em contato com a corrente sanguínea e podem se espalhar para o resto do corpo, como um câncer metastizante. Geralmente parasitam o sistema porta-hepático (conjunto de vasos sanguíneos que irrigam o fígado e regiões próximas) ocasionando grande processo inflamatório histamínico, acumulando linfa nos tecidos hepáticos e no baço, estabelecendo o quadro de hepatoesplenomegalia, característico pelo crescimento do abdômen, daí o nome popular barriga d'água. O tratamento é baseado na administração de anti-helmínticos, como Praziquantel e Invermectina, mas as sequelas muitas vezes são permanentes. Podem, em alguns casos, atingir os tecidos pulmonares, ocasionando tosse excessiva e também os vasos do tecido conjuntivo propriamente dito esofágico, como aconteceu com a prima da minha amiga, formando-se então um aneurisma e o possível rompimento dos vasos (a prima dela chegou a vomitar, junto de sangue, cepas de tecido endotelial, característico dos vasos sanguíneos). É uma parasitose bem agressiva.

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